No início do ano, onze servidoras da reitoria do Instituto Federal de Mato Grosso iniciaram os trabalhos de formação da Comissão Permanente de Participação Feminina – Elas no IFMT, lançada nesta terça-feira (25), em cerimônia da qual participaram, virtual e presencialmente, dirigentes da instituição, outras servidoras e servidores.
Questionamentos e reflexões profundas sobre a divisão sexual do trabalho baseada em uma relação hierarquizada entre homens e mulheres, além da cultura sexista que permeia as relações profissionais foram abordados pelas servidoras Sandrine Huback e Marilane Costa, durante conversa mediada pela professora do Doutorado Interinstitucional em Educação PCI UFG/IFMT, Amone Alves.
A docente Amone iniciou trazendo a memória de tantas mulheres que ainda são silenciadas ou que no curso da história foram impedidas de estarem. Pela honra daquelas que resistem assumindo funções nos espaços públicos apesar da misoginia e do machismo estrutural que “se sustentam em nossas relações, que nos vedam a possibilidade de nos encontrarmos em outras perspectivas”.
“Estamos aqui em nome das nossas universidades que realizam pesquisas sobre o feminicídio, o racismo as mulheres pretas, a falta de emprego para as mães e demais assuntos voltados a nós mulheres. Essas pesquisas culminam na formação de outras políticas de modo a proibir essas práticas, pensando em uma sociedade em que a mulher possa estar onde ela quiser, apesar de ainda sermos um país que está em quinto lugar no ranking da violência contra a mulher, onde 33,4% da mulheres já vivenciaram situações de violência,” refletiu Amone.
A docente citou pesquisa que comprova que embora a produtividade feminina tenha se revelado superior entre bolsistas homens e mulheres do CNPq, em 66 anos de existência, esse Conselho nunca teve uma mulher ocupando a sua presidência.
“São muitos os entraves que ainda nos assombram. Nesse momento estamos aqui pensando em possibilidades. Na disciplina Educação, Trabalho e Formação Humana, refletimos sobre como aprendemos ensinando em diferentes espaços e pensamos nas finalidades e funções da escola, já que a educação é sempre força motriz”.
Segunda a falar na mesa composta exclusivamente por mulheres, a revisora de textos, Sandrine trouxe dados do IBGE e BID que quantificam a violência e a desigualdade enfrentadas pelas mulheres no Brasil, América Latina e Caribe, enfatizando a relação entre mulheres e trabalho e as desigualdades, seja na ocupação de cargos, refletidas em diferenças salariais, seja na sobrecarga e no acúmulo do trabalho remunerado e não remunerado através do cuidado com o lar a e a família.
“Tratar da atividade feminina é, ao mesmo tempo, tratar de uma realidade econômica e de uma representação social,” afirmou Sandrine. Ao abordar a presença das mulheres na administração pública, lembrou que elas não conseguem romper o que é chamado de “teto de vidro”, metáfora usada pela primeira vez na década de 1970 referindo-se às barreiras invisíveis que impedem a ascensão de mulheres aos cargos mais altos das organizações.
“O relatório do BID demonstra claramente a segregação vertical e horizontal na administração pública, sendo necessária uma agenda de gênero mais ambiciosa. O acesso de mulheres a cargo de liderança deve ser estimulado não apenas por conta da paridade, mas para garantir uma influência real na tomada de decisões nas políticas públicas,” completou.
A pedagoga Marilane Costa voltou sua atenção para o significado histórico da luta de classes, das lutas dos movimentos sociais e das mulheres, enfatizando que a resistência das mulheres no Brasil e no mundo, e a organização dos movimentos feministas, se traduzem em avanços civilizacionais, com mais políticas públicas.
“E para nós que atuamos na educação, numa instituição que recepciona pessoas nos diferentes níveis e modalidades chamo a atenção para algumas questões: Como estamos tratando das questões raciais e de gênero? da participação das mulheres em postos de poder? dos assédios sexuais dos quais são vítimas nossos estudantes e em alguns casos, até mesmo colegas?”, indagou.
A criação da Comissão, no seu entendimento, é um grande passo à frente que a instituição está dando ao reconhecer a existência de problemas dessas ordens. E para que ela tenha efetividade é preciso “colocar o dedo nas feridas”, sabendo que é um trabalho de médio e longo prazo, mas também que há questões que podem e devem ser imediatas.
Marilane propôs ampliar a comissão com a participação de mulheres dos campi; desenvolver uma campanha de promoção de quadros femininos; dialogar com a gestão, para que as questões de gênero e raça sejam orientadas para todos os cursos e formações no âmbito da instituição, para que possa constar um ‘recorte’ sobre essas temáticas.
“Finalmente, proponho que a Comissão dialogue com a gestão, para que junto à correição se faça um levantamento dos casos de assédio sexual envolvendo servidores e estudantes. O IFMT tem o dever de averiguar e dar os devidos encaminhamentos. A celeridade é imprescindível, até para que a nossa instituição não figure como conivente ou promotora desse tipo de postura. Não se trata de uma caça às bruxas, mas de restituir a dignidade às vítimas desse tipo de situação”.
Para a presidente da Comissão Elas no IFMT, a professora de Filosofia Regina Oléa, o lançamento se tornou um momento de encontro em que servidoras e servidores puderam dialogar, compartilhar experiências, fazer reflexões e sugerir ações.
“A grande participação simultânea e o crescente número de acessos à gravação no YouTube demonstram que a pauta está em confluência com os anseios da nossa comunidade. Por isso, seguimos confiantes e gratas pela participação das e dos colegas e pelo apoio da gestão, reiterado na fala do nosso reitor, para quem ‘a comissão representa para o IFMT a oportunidade para desenvolver ações que contribuam para construir uma instituição com oportunidades iguais entre homens e mulheres’”.
“Em um ano, teremos avançado muito mais, dando maior visibilidade às mulheres, restabelecendo a dignidade e honrando Benguela e todas que vieram e lutaram antes de nós, que lutam ao nosso lado ou que venham a lutar”, encerrou Marilane.
Questionário - Em seu primeiro trabalho, a Comissão lançou um questionário, que ficará aberto até o fim de agosto, a fim de verificar a percepção das servidoras e dos servidores sobre a participação feminina na instituição. A partir das respostas e do levantamento dos dados, serão propostos e desenvolvidos projetos e ações. Os resultados desse mapeamento serão apresentados em uma mesa de debates no WorkIF, em outubro de 2023.